sexta-feira, 8 de maio de 2009

SENGÉS E ITARARÉ (PARTE 01)




Depois de realizar uma pequena pesquisa sobre cicloturismo na rota dos tropeiros também postada neste blog, resolvi tomar a decisão de colocar a bike para correr e conferir mais uma localidade interessante e com grandes possibilidades cicloturisticas, entre os estados do Paraná e São Paulo pela área rural dos municípios de Itararé e Sengés.

Durante todo o dia 30/04/2009 fiquei receoso de sair para um pedal solo em virtude do tempo que fiquei sem praticar viagens por localidades desconhecidas, planejei aproveitar os feriadões deste ano, já perdi alguns, mas este não queria deixar passar, mesmo não estando bem fisicamente, uso a bicicleta todos os dias para ir ao trabalho e fazer pequenos deslocamentos em Curitiba, ainda estou fora de forma para realizar este tipo de cicloturismo, porém acredito que o maior fator de superação foi exatamente a motivação que compensou a restrição física para alcançar o objetivo inicial de diversão e finalizar o cicloturismo bem fisicamente.

Nesse dia o trabalho profissional não rendeu como deveria, apenas com a cabeça no planejamento da viagem e vivenciando intensamente os preparativos e o dia foi passando e parecia que ainda faltavam vários detalhes e muitos ficariam sem conseguir resolver, como o tema do uso de gás butano, qual seria a alimentação durante a viagem e se levaria alimentação desde casa ou adquiriria em Sengés.

Um dos momentos mais estressantes é o momento de colocar tudo dentro do alforge, é similar a fazer uma mala, sempre requer um pouco de paciência e razão para saber compactar e ajustar tudo no lugar e tendo a convicção que depois de desmontado jamais conseguimos repetir a perfeição dos encaixes de roupas, acessórios e provisões. Além do mais, criamos sempre a necessidade de levar um pouco além do que é realmente imprescindível, onde você apenas tomará conta da situação depois de alguns dias na estrada, costumo acreditar que esse é o “principio do embrutecimento” causado pela situação de viagem, como no caso de dormir sem tomar banho com nenhum peso na consciência e passar a camiseta no talher e pensar “tá limpo...”

Depois de tudo esquematizado e disposto ao lado dos alforges é hora de colocar tudo para dentro kkkk... monta, desmonta e equilibra o peso nas duas bolsas e pronto, finalizei essa fase e já passava das 03:00 da manhã, fiquei tranqüilo pois sabia que a previsão de 5 horas de viagem poderia ser recuperada através sonecas no percurso da viagem no ônibus.

Quando foi as 05:30 desci ao bicicletário do condomínio e instalei o alforge e voltei para tomar um café preto da manhã, já na adrenalina, não tinha paciência para comer nada e não via a hora de descer até a rodoviária e subir no ônibus. Para não ter dificuldades de acesso da bike no ônibus, levei minha mala bike leve, este é um modelo de desenhei para viagens com esse perfil, onde o cicloturista pode transportar facilmente e fazer multiuso da mala no decorrer da viagem, seja como avanço da barraca, esteira ou capa de chuva. Finalizado o processo de instalação do alforge e verificar a mecânica da bike, voltei ao apartamento e até consegui verificar a meteorologia atualizada no feriadão, que não era muito promissor, com céu nublado e chuva todo o final de semana, tais previsões não abateram no meu ânimo e como dizia o velho e hilário ex- presidente do inenomável time (...) Vicente Matheus “quem sai na chuva é pra se queimar”.
Quando eram 06:30 da manhã não tinha mais volta, com uma pequena garoa e um dia lindo típico de Curitiba comecei efetivamente a minha viagem dando a primeira pedalada.
Ao chegar à rodoviária fui ao guichê da viação Transpen, estava um pouco tumultuado devido o inicio de feriadão, mas como estava tranqüilo nada me tirava do sério, apenas ansioso para começar a viagem. Comprei a passagem e fui para a plataforma de embarque para providenciar a desmontagem parcial da bike, com essa malabike, retiro apenas as duas rodas e mesmo assim a bike cabe com garupeira e paralamas tranquilamente zipada.

Dentro do ônibus, a cada km percorrido, o tempo começava a mudar e de um modo que até em Pirai do Sul o céu estava aberto com ascendente de calor no decorrer do dia e foi isso que aconteceu, quando desci na beira da estrada em Sengés o sol estava de matar, arrancando a pele, logo comecei a sentir também uma proximidade com as minhas raízes e histórico na infância vivido no interior do PR e SP.

A primeira visão de Sengés não foi das melhores, e foi nesse momento que apareceu a primeira figura da viagem e foram muitas, quando estava retirando a bicicleta da malabike apareceu um sujeito “meu” estranho, no entanto bem vestido, mas simples, característico de interior e fazendo as clássicas perguntas – você tá sozinho?, tá vendendo alguma coisa ae nessa mala? de que “planeta” você é? e por final, tem mulher? e todas as demais perguntas que sucedem esse assunto. Ao final percebi que estava conversando com um verdadeiro pinel kkk o cara começou a repetir umas palavras que havia falado kkkk então comecei a ignorá-lo e então percebi que estava contrariando louco e isso não é bom... foi então que acelerei a montagem da bike e coloquei para rodar.

Fui até a rodoviária e providenciei a passagem de retorno e logo depois fui procurar uma mercearia para comprar a alimentação, pois estava apenas com um pequeno pote de 350 ml de maltodextrina, que mais tarde demonstraria ser a minha salvação até o final do dia.

Como o comércio fechou ao meio dia fiquei na mão, mas em cidade pequena sempre tem um jeitinho de conseguir as coisas, e logo fiquei sabendo do comércio do Sr Dominguinhos, proprietário de uma pequena mercearia, chamada Nogueira que vende quase 24 horas, uma verdadeira conveniência ala porteña, direto pela grande... comprei um pacote de macarrão, uma lata de óleo e uma caixinha de chá mate, que peço para não esquecer desse item também e do item referente a minha salvação, até o final dessa história inicial, vocês saberão os motivos de ênfase nesses dois produtos.

Após o fechamento da comercialização dos produtos até então negociados com a mulher do Sr. Dominguinhos, eis que surge o próprio empresário, com o olhar de desconfiado e satisfeito depois de ter se alimentado, pois de fora da grade ouvia o som de seu trabalho com o prato e os talheres. Logo foi perguntando... de onde vinha e ia, respondi que estava fazendo um passeio na região e gostaria de conhecer as cachoeiras na área rural, foi então que sem querer que ele abaixo a guarda e passou um grande número de informações sobre o caminho que precisava tomar e do número de bicas de água potável. Nesse aspecto tenho que ressaltar um prazer pessoal em solicitar informações ao invés de ler o GPS, quando aproximo das pessoas e digiro a palavra, parece que o muro que divide os mundos cai e o contato fica humanizado e rico. Com o GPS é apenas seguir as rotas e deixar as pessoas para trás... é claro que há perfeitamente a condição de utilizar os dois!

Depois de coletar o maior número de informações possíveis comecei a pedalar tomando distância do centro da cidade. Na primeira hora de pedal ainda anestesiado pela adrenalina, tudo parecia perfeito e o estado de ânimo estava excelente, com grandes visuais a volta minha quilometragem era ideal. Apenas uma situação tirou o sossego nessa hora, ouvi estampidos vindo do meio do mato, e isso não é bom, em se tratando de estar no meio do nada... ninguém vê nada. Foi pernas para que te tenho... contudo naquele momento foram dois barulhos que escutei, o suficiente.
Na segunda hora da pedalada as subidas íngremes ainda não me assustavam, devido a motivação de sempre encontrar gente na estrada o que me acalentava um pouco, demonstrava subjetivamente que mais na frente existia casas e famílias e poderia abastecer o squeeze com água e comprar algum alimento (pão, queijo e salame). Com relação à alimentação não tive êxito com relação na aquisição e fiquei na vontade.

Nesse percurso saindo de Sengés até o cânion Jaguaricatú é um intenso sobe e desce serpenteado de estrada de chão batido com cascalho, como faz tempo que não chove na região, as pedras estão soltas e as vezes lembra um pouco o rípio, até pensei que era uma boa experiência pedalar neste tipo de terreno.

Durante o percurso em meio à plantação de milho, tinha um interesse de coletar latinhas de alumínio com objetivo de chegar ao acampamento e fazer uma espiriteira, mas não fui muito feliz, apenas encontrava poucas latinhas e ainda assim amassadas, porém consegui encontrar uma em bom estado, o que já dava para pelo menos colocar álcool dentro. Outro interesse era encontrar casas e coletar água para tomar e foi ae que começou o matírio, quando não eram as pessoas que ignoravam o meu aceno era a malevolência canina que assustava e causava medo, já que nessa região há muito gado e cães com características de pastores (rottweiler, fila brasileiro e vira latas de médio porte). Quando ameaça parar na porta da chácara os cães já loucos de raiva começavam a levantar e irem na minha direção, para não ter maiores problemas, não esperava pela água...

Com o racionamento de água, o clima escaldante e a poeira levantada pelo vento começaram a irritar a garganta e as subidas começaram a ser intransponíveis pedalando, quase sempre escaladas empurrando a bike. Chegou um momento por volta da 3º hora que não tinha mais paciência com os cães e o instinto de sobrevivência...prevaleceu, decidi encarar um dos meus maiores medos, com uma pedra servida em uma das mãos encontrei uma chácara com um homem ao fundo, levantei o braço e acenei, ele retribuiu e então tirei o squeeze do quadro e levantei, ele logo percebeu e acenou positivamente. Ao chegar na porta da chácara os cachorros já estavam calmos e logo cumprimentei o Sr com um aperto de mão e solicitei um pouco de água.
Foi uma conversa rápida, pois não queria chegar tarde a cachoeira, apenas o suficiente para confirmar o percurso e receber informações gerais.

Com a reserva de água cheia já sabia que estava perto e não faltaria mais suprimento de água, porém estava muito cansaço e com fome, não havia comido nada durante essas últimas 3h e meia, primeiro que não tinha e segundo por que deseja chegar cedo à cachoeira e preparar o camping e espiriteira ainda com luz.

Ainda sem saber direito para onde estava indo, fui solicitando informações para quem encontrava na estrada e chácaras e logo fui observando de longe a cachoeira do lajeado grande, o que trouxe um conforto de saber que estava próximo e logo iria comer um macarrão alho e óleo, este é clássico em minhas viagens. Mas ainda faltava muita coisa para pedalar e foi mais uns 30 minutos de descidas e subidas em meio aos pedregulhos.

Durante o percurso existem poucas placas informando do caminho até a cachoeira, sem haver comunicação com os locais, fica difícil encontrar os locais no geral. E foi assim, quase chegando próximo a cachoeira vinha descendo um trio (dois rapazes e uma moça) e perguntei a eles onde ficava a entrada para a cachoeira e logo eles informar e pude seguir até a trilha que leva ao acesso a cachoeira.

Ao chegar à cachoeira pude reverenciar a grandiosidade dos paredões e o cenário paradisíaco, com uma grande piscina no pé da cachoeira e um barulho enorme da queda da água. Nesse final de dia os andorinhões também estão fazendo a sua revoada de final de tarde e prontos para agarrarem na encosta do paredão da cachoeira, é simplesmente demais estar presenciando isso ser a interferência de nenhum barulho alheio.

Não havia ninguém no local me senti o dono do pedaço e era tudo aquilo só para mim. Também fui verificar a temperatura da água e sem chance impossível entrar naquela água sem a presença do sol.

Fui então fazer a tal espiriteira, na verdade apenas consegui encontrar apenas uma e não daria para fazer a indumentária, apenas cortei a metade um pouco mais para baixo da latinha e coloquei álcool e ateie fogo, abasteci a panela com a água cristalina da cachoeira e fui o fogo. Passou um tempo a água da panela nem ficou amornada, então coloquei mais álcool e esperei mais um pouco e nada. Comecei a perceber que o vento vindo da cachoeira roubava o fogo da panela, para resolver isso montei umas pedras envolta da espiriteria e coloquei mais álcool e esperei um pouco para inserir o macarrão.

Ao longo desse período o sol já era e a fome começava a bater e o macarrão nada de cozinhar e eu já ficando irritado com a situação, tudo que estava tentando resolver o problema não repercutia em solução e o álcool também esvairindo, foi então que desisti devido a luminosidade e a impotência de solucionar a situação naquele momento e me fez pensar nas próximas investidas com este aprendizado. Logo lembrei de um produto que havia pegado na ultima hora antes de sair de casa, era a maltodextrina, trata-se de um açúcar de origem natural extraído do milho, tem uma alta capacidade de oferecer energia rapidamente ao organismo após ingerido. Junto com a malto fiz um litro aproximadamente de chá e fui tomando a noite toda, mesmo com a barriga roncando não estava com fome e ficava controlando um provável estado de hipoglicemia que talvez pudesse ocorrer devido a alta demanda energética com baixa ingestão pós atividade física.

Como também estava muito cansado, dormi cerca de 4 horas o que para mim é muito em camping tendo em vista as condições oferecidas pelo isolante térmico e saco de dormir. Após tomar o chá arrumei as bagunça dentro da barraca e fui dormir as 07:00 horas devido ao falta luz e pessoas de conversar, nessa hora faltou ter levado um livro para ler, ajudaria a distrair um pouco. Um fator também contribuinte para a poucas horas de sono sucessores ao período de repouso foi o barulho da cachoeira em conseqüência da proximidade, é muito alto e não dá para desconectar.

Ao levantar as 05:30 na manhã do dia 02/05 estava recomposto do dia anterior por incrível que isso possa parecer e tudo transcorreu perfeitamente. Logo preparei o chá da manhã com maltodextrina e posteriormente pude levantar acampamento deste local. Fiquei um tempo fora da barraca contemplando o nascer sol e a mudança da iluminação do local que aos poucos foi transformando e esquentando o clima dentro do vale em conjunto com a revoada do andorinhão saindo dos paredões atrás da cachoeira.

Também vi uma revoada de curucaca sobre o vale e a cachoeira. Popularmente essa ave é conhecida como ave das araucárias, sendo a ave símbolo de Bom Retiro.

Após arrumar tudo de novo dentro dos alforges e despedir da cachoeira fui saindo do local com o espirito renovado e dever cumprido, até o momento devo salientar sobre a pratica do turismo de mínimo impacto, antes de sair dei uma bela geral e me perguntei "será que alguém passou por aqui? essa é uma técnica que objetiva deixar apenas os ratros no local e excluir todo o lixo e resíduo do ambiente, feito isso busquei a trilha de acesso a estrada para continuar a viagem em mais um dia, mas essa segunda parte fica para uma próxima postagem.
Aguardem.
FOTOS: Cachoeira e camping no lajeado grande

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