quinta-feira, 1 de outubro de 2009

DUAS MULHERES E UM CICLOTURISMO PELO URUGUAI: final















Maldonado – Rocha
Primeiro dia de 2006, sob um brilhante dia ensolarado deixamos Piriápolis e seguimos em direção à Laguna del Sauce. Este percurso nos desviaria da Ruta das praias, mas era um outro tipo de paisagem que valia a pena conhecer. Infelizmente, as dicas que um pessoal tinha nos dado em Piriápolis para achar o acesso na lagoa não foi o melhor e terminamos andando em círculos, e nos deparando apenas com grandes mansões. Nessa hora, somente a força psicológica nos impulsionou a voltar para trás na determinação de encontrar um outro acesso. Achamos um caminho no quilometro 3,5 da Ruta 12. A praia da lagoa era convidativa para acampar, mas isso não era permitido e os moradores nos indicaram um lugar apropriado na antiga represa. O local não era o que esperávamos, mas conseguimos tomar um banho de lagoa e fazer uma simples refeição para descansar.

O nosso seguinte objetivo era passar por Punta Ballena e continuar para Punta del Este, onde o Oceano Atlântico vence a batalha contra o Rio de La Plata. Em Punta Ballena, encontra-se o “Museo Taller de CasaPueblo” do artista plástico Carlos Páez Vilaró. Conhecer este lugar estava entre um dos meus sonhos desta viagem, onde uma parte da historia do artista confunde-se dentre as paredes moldadas a mão, imaginação, quadros, infinitas historias e exemplo de vida. Carlos Páez Vilaró, um nativo embaixador do país, continua misturando-se na cultura popular em cada festa dos “carnavales orientales”.

Este homem chegou a vivenciar uma outra historia mais longe das artes, quando o avião que levava o seu filho e um grupo de jovens jogadores de rúgbi para o Chile, se acidentou em plena cordilheira dos Andes em 1972. Fato que deu origem ao filme mais recente “Vivos”. Depois da agonia e tristeza de pensar ter perdido o filho veio o resgate e a felicidade explicita no livro “Entre mi hijo y yo, la Luna”. Um lugar mágico e imperdível nesta travessia.

Chegamos em Punta del Este por volta do meio dia e almoçamos macarrão caseiro com refrigerante de pomelo. Punta del Este é um parque temático, muita infraestrutura e pouca natureza, não combinava com o nosso espírito selvagem. Seguimos até La Barra e pior ainda, o único camping custava 5 dólares. Pedalamos longe do agito até encontrarmos uma praia escondida entre dunas no quilometro 170 da Ruta 10 e paramos por ali. Apenas um banho fresco em um mar agitado de águas oceânicas.

O dia amanheceu nublado, perfeito para pedalar, fizemos a maior quilometragem diária da viagem, 108 km em 8 horas. Saímos pela Ruta 10 rumo ao Departamento de Rocha. O mapa de Rutas que o rapaz de Montevideo nós deu foi essencial para escolher caminhos entre a Ruta 9 ou 10. Uma vez que a Ruta 9 é bem mais agitada nessa época do ano, optamos pelo caminho mais descontínuo e tranqüilo da Ruta 10, além de estarmos sempre mais próximas do mar. Almoçamos um sanduíche de milanesa em um ponto bem rústico na entrada de Pueblo Garzón, um vilarejo parado no tempo. Essa refeição nos deu a energia suficiente para chegar no final do dia em La Paloma, ponto que já fica no Departamento de Rocha, a região mais selvagem, agreste e bonita de toda a costa do Uruguai.

Distancia do percurso: 224 km

Dias de percurso: 3. Tempo de pedal: 17h30min.

Observação: vento contra constante



Rocha – chegada em Chuí
Nunca conseguíamos sair antes das 9h da manhã, ainda que o montar e desmontar a barraca todo os dias já se tornava um ritual, algo monótono e rápido. Durante uma travessia de bike, o fato da casa ser a barraca, cria um certo carinho pelo equipamento e cada peça transforma-se num instrumento precioso para cada ocasião. Eu acordava cedo e dedicava essas horas do amanhecer para explorar e registrar os momentos, a Cacau preferia dormir ate a hora do café. No final sempre conseguíamos estar prontas para partir ao mesmo tempo.

O trecho de maior aventura estava chegando. Pedalamos pelas agrestes estradas do Departamento de Rocha rumo a Cabo Polonio. Um lugar paradisíaco, onde para chegar têm que se atravessar oito quilômetros de dunas. Mas não tínhamos condições de pedalar por essas dunas com todo esse peso nas bikes e resolvemos subir numa 4x4 que por apenas 12 reais ida e volta nos deixaria no centro da praia de Cabo Polonio. Sem energia elétrica, água apenas de poço, o local é mais frequentado por turistas mais alternativos, artesãos e pescadores, a sensação é de estar chegando numa ilha perdida. Sentimos a plena liberdade e felicidade de pedalar na praia.

Os dois últimos dias da jornada foram muito quentes. Atravessamos a região das palmeras butiá e entramos no Parque Nacional de Santa Teresa depois de um dia complicado. O pneu traseiro da bike da Cacau rasgou e furou a câmera e levamos mais de uma hora para resolver o problema. Nesse dia não tínhamos feito uma boa refeição e chegamos esfomeadas no parque. O parque é administrado pelo serviço de parques do exército do Uruguai, mas a organização e o serviço de informação ao turista deixaram muito a desejar. Embora isso, o local tem muita diversidade para explorar, como bosques, lagoas e praias. Infelizmente, a nossa jornada estava chegando ao fim e por isso não pudemos aproveitar melhor o parque e tivemos que seguir pedalando.

O último trecho foi até a fronteira com o Brasil, onde a cidade limítrofe está dividida ao meio, no lado brasileiro é Chuí e no lado uruguaio é Chuí. Quando atravessamos pela aduana uruguaia, o calor estava insuportável, chegando aos 42ºC e estava muito abafado, nosso maior desejo era de tomar um “sorvete de sanduíche”; bem perto de lá havia um quiosque, mas só tinham refresco, ficamos muito frustradas e tristes. Mas eis que derrepente como que surgido de um conto de fadas aparece um caminhão de sorvetes (da melhor marca da região), que estava indo do Brasil para o Uruguai. O agente da aduana que havia testemunhado nossa frustração pediu para o motorista parar e contou nossa “triste” historia, então o motorista abriu a traseira do caminhão e deu um sorvete para cada uma de nós. Certamente, foi o melhor sorvete de toda a pedalada.


Chegamos no Chuí bem no final do dia e ficamos numa fazenda, graças à gentileza das famílias do local que deixaram montar as nossas barracas por lá. População, idioma e costumes nesta fronteira estão completamente misturadas, a pessoa nasce de um lado da rua e é brasileira enquanto que a dois metros de distância já é uruguaia. Assim, transitávamos do Uruguai (Chuí) para o Brasil (Chuí) o tempo todo. Descansamos dois dias no camping “El Chuí”, antes de pegar o ônibus de volta para o Brasil. O fim da viagem, como todo final, tinha que ser árduo, pedalamos 15 km sob uma forte tempestade de verão até a rodoviária do Chuí e, então, nessa hora pensamos – isto não é para qualquer um – só para quem tem coragem de largar os bens materiais e se aventurar numa viajem não convencional. Enquanto isso, o nosso espírito se preparava para voltar ao cotidiano e a sonhar com novas aventuras ciclísticas.
Distância do percurso: 170 km

Dias de percurso: 3. Tempo de pedal: 12h43min.

Observação: vento contra constante e calor

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